segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Os agrimensores

 
Foi no segundo semestre de 1913 que - fez agora um século -, Gago Coutinho riscou no chão angolano a fronteira leste, a tal das linhas que formam um angulo reto perfeito. Relembrar a efeméride longínqua parece rebuscar demasiado a história, até porque Angola é hoje um país independente e Coutinho realizou feitos mais "espetaculares" pelos quais "apetece" ser lembrado.


Mas, para além da coragem física, da organização e dos conhecimentos de navegação profundos que Gago Coutinho revelou no hidroavião em 1922, a missão de 1913 exigiu trabalhos práticos de agrimensor que, digo eu, dão outra espessura à vida de qualquer um. E depois, há linhas que não se veem e também se cruzam.
 
Em 1914 nasceu a minha mãe - festejaria o centésimo aniversário em maio próximo - e em 1922, os meus avós transmontanos, radicados em Copacabana onde possuíam o "Botequim das Flores", viram com orgulho a sua Zelinha entregar orquídeas brasileiras aos homens acabados de chegar da Europa pelo ar.
 
Gago Coutinho deve ter vindo da costa leste africana até porque, pelo que li, ele encontrou-se com um capitão inglês, cidadão que representaria para o efeito, os interesses da grande e vizinha Rodesia. A empreitada porém, e como podemos verificar pelas coordenadas, não suscita dúvidas: paralelo 13º, meridiano 22º, e sempre a eito por uma e outra. E assim foi, "sozinho", pegou na tralha, teodolitos, binóculos, colheres de pedreiro e ala que se faz tarde.



Passe a construção geométrica do enredo, pelos sertões angolanos andou, também, muitos anos mais tarde a minha mãe, já então formada no pequeno retângulo. Houve pois, doses suficientes de romantismo naquele Portugal para o matar. A "pátria" que imaginaram morreu de sonhos comuns. Alguns ainda com os marcos visíveis mas outros completamente renovados pela primavera.
 
Epílogo. A fotografia mostra o local onde Gago Coutinho colocou o L16. Nota-se uma ilha no Zambeze, rio que corre para a Zâmbia, à nossa direita. Em rigor de "GPS", a linha fronteiriça situa-se uma centena de metros à esquerda (norte) da ilha. Não interessa agora o erro despiciente, para os instrumentos de que dispunha, Gago Coutinho fez um trabalho modelar, como, aliás, reconheceram as potências da época. Só que, lá para os lados onde enterraram a minha mãe, em Trás-os-Montes, quando se divide uma parcela, à operação assistem os vizinhos interessados e um salvado. Aqui foi o inglês que se fodeu.
  
Para consultar o espólio fotográfico da missão ide a este lugar.
 
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