quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O fantasma sertanejo

Não me lembro de alguma vez ter ouvido falar no forte de Belmonte (Silva Porto), a cidade onde me fiz homem. No entanto ele existiu, prova-o uma fotografia que saquei do site do instituto de investigação cientifica tropical. Nela, vê-se um soldado no cimo de uma muralha de pau a pique e a bandeira nacional a drapejar no alto de um mastro. Para além desta evidência, a literatura colonial da época, a que só agora temos acesso pela internet, está cheia de referências ao forte. A imagem, que pertenceria aos álbuns de "Gago Coutinho", literalmente um homem da fronteira angolana, desapareceu, o que só adensa o mistério. Mas o importante mesmo é o buraco, ...como é que um forte, uma coisa assim bruta, enorme, castelo, desaparece de uma cidade e ninguém fala nisso? Nem scanando a capital do Bié, descobrimos vestígios ou rastos do forte mandado construir por Paiva Couceiro em 1890.  
 
 
 
Recuemos então à época da sua construção. A embala, casa respeitável do capitão-mor Silva Porto, localiza-se no cimo de uma encosta que sobe do rio Kuíto, cujas águas, já agora, vão para as bandas de Luanda via Kuquema e Kuanza. Para quem se acercava da embala pelo norte avistava-a, a mais de dez quilómetros, lá no alto da colina, razão pela qual, digo eu, o grande portuense terá chamado de Belmonte ao povoado emergente. Ampliando precisamente a vista magnífica, registada mais uma vez por Gago Coutinho dez ou vinte anos depois, reconhecemos a embala num conjunto perfilado de casas, tendo do seu lado esquerdo - direito, em relação a si, observadora -, um vulto, qual espetro, que poderá muito bem ser, o forte de que falamos.
 
 
 
 
A história, conformado pela localização, duzentos metros se tanto, a oés-sudoeste da embala, acabaria aqui, não fosse eu menino de grandes enredos.
 
 
Silva Porto, a bela cidade dos anos setenta do século XX, vivia agora uma paz nada suspeita, embora as ruas planificadas, as casas coloniais e o ar frio do cacimbo que a purificava e quietava, não a tivessem protegido mais tarde na guerra civil. Pois, naquele lugar que acabámos de identificar para o forte, havia na cidade curtida pela paz, um estranho edifício, rodeado por um muro alto. Cheguei a ter lá aulas e, lembro-me bem, foi de uma das suas janelas que ouvi pela primeira vez o motor de um helicóptero militar. Tratava-se da sede da PIDE/DGS e da prisão especial para homens especiais. Quando, já na guerra civil, rebentou o tiroteio na cidade e o edifício foi o primeiro a ser bombardeado, comecei a perceber as coisas de cernelha.
 

Teria Ndunduma ficado cativo neste forte? O soba que humilhou Silva Porto foi preso - uns dizem por Artur de Paiva, outros, por esclavagistas zanzibares -, e levado por Paiva Couceiro para o exílio em Cabo Verde que, de caminho, trouxe o corpo de Silva Porto. Digo eu, em epílogo, para explicar as idas e vindas das almas ao mundo e os buracos que elas deixam na memória.
 
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