Silva Porto, cidade a várias centenas de quilómetros da costa e a uma altitude de mil e setecentos metros, desdizia a ideia que os europeus tinham sobre o «clima africano». As densas florestas, a humidade, o calor abafado ficavam uns paralelos mais a norte e a menos mil metros de altitude. No planalto, as amplitudes térmicas diárias eram muito grandes e em pleno cacimbo, por exemplo, em Junho, o sol de frio e seco era uma lua azul. Nos arredores da cidade havia um vale largo cujas encostas eram cobertas pelos tradicionais pinheiros da literatura o que emprestavam, então, um ar de outro continente à paisagem. O rio kuíto, que deu nome à cidade após a independência, corria tão baixo ao longo do vale, que o atravessava, em vau, a estrada velha que conquistou o leste. Foi nestes arredores europeus que um dia pedi ao Jorge para conduzir. Fazia muito frio (só podia ser da lua), ia eu, ele e a Milai. Não me recordo com precisão dos diálogos, não me recordo de mais nada, só da alma larga do Jorge.
(Faleceu ontem, no dia em que me ia mostrar ao hospital)
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